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QUANDO EU ME DESCOBRI NEGRA




Muitos vão dizer: “Nossa! Como assim se descobriu negra?” Exatamente. Por isso, eu tentarei explicar aqui um cisco da necessidade de se descobrir ser o que se é... Quando eu me “descobri”. Porque a gente nasce negro, porém, só se descobre negro quando aceita esse fato, não como algo punitivo (como nos fazem pensar durante grande parte da nossa vida), e sim, com consciência de ser. O atual “empoderamento”. Pois, nos tiram tanto... Nos minimizam... Nos hiperssexualizam... Nos rebaixam a condição de coisa, de objeto, de só mais um corpo, de mais um número dentro das estatísticas... Que a gente nega o que é, até mesmo sem perceber, para tentar que nos percebam e nos aceitem, e aí, deixamos de ser... Então, sim! A gente precisa se descobrir negro. Se apropriar do direito de ser gente. Ser a gente mesmo, e se saber lindo.

A primeira vez que eu olhei no espelho, e pude me orgulhar do que eu via, é uma lembrança pertencente a um futuro muito mais recente do que eu gostaria que fosse. A primeira vez que eu me olhei e me achei linda, independente de tudo aquilo que é vendido como “comercial”, “vendável”, “ideal”, foi um marco na MINHA VIDA. A primeira vez que eu comecei a silenciar as vozes ofensivas, olhares depreciativos, insinuações, e compreender que tudo aquilo direcionado a mim, não era um erro meu, não era por eu não ser capaz, e sim, pela minha condição de mulher negra, eu soube que eu não era feia e muito menos, menos do que ninguém. Mas, a gente passa tantos anos vivenciando “os nãos” e achando que há algo errado com a gente mesmo, que esse poder, essa luz, necessita ser reavivada, descoberta.

Perdi tantos anos tentando me “encaixar”, ser adequada em gestos, roupas, no visual. Sem entender porque nada dava certo, porque as coisas não aconteciam pra mim. Cheia de diplomas e sem nenhum retorno profissional. A amiga legal, nunca a namorada. A última a ser escolhida (quando escolhida). A ideal com tanto que não fosse vista... Hoje estou aprendendo a curar algumas dessas feridas.

É muito lindo toda essa representatividade que hoje há (que bom), mas as feridas estão lá, e de tempos em tempos, algum olhar, fala, atitude tira a “casquinha” e revivemos toda a dor nos culpando por sermos quem somos. E até a nossa dor é mi-ni-mi-za-da (“mi mi mi”, não é?). “Só o dono da dor sabe o quanto dói”. Só quem vive o preconceito, o racismo, literalmente na pele, sabe. Mas estamos quebrando as correntes, e retomando nossas identidades.

Aos poucos estamos sendo ouvidos, mas, continuamos “invisíveis”. Não somos apenas nós que precisamos nos descobrir, reconhecer nossa real existência. Tornarmos-nos palpáveis e retomar a nossa condição de pertencer, a nós e ao mundo.

“Nossa! Mas você é tão linda!”... Pois é! HOJE eu sei. Hoje eu consigo ver e amar cada traço meu. Nariz, pele, cabelo. Hoje eu me aceito da maneira como eu sou, e não me modifico mais para caber nos lugares ou na vida das pessoas. Sou o que eu sou. Menina mulher da pele preta. Prazer! Milene Paula recém descoberta uma linda mulher orgulhosamente negra!

Quando eu me descobri negra eu pude enfim ter identidade. E deixei de ser invisível... (essencialmente pra mim).

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